domingo, 29 de abril de 2012

Break Point


Excluíndo desde já todas as patologias oftalmológicas, mas também os jogos de sombras de dúvidas, a opacidade cofre de transparências aparentes, e tudo mais anteriormente citado no post "Placebo? Não, obrigado.", coloco a questão: "Ver" ou "não ver"? Optemos por ver as coisas como elas são, ou não, não ver nem ser visto nem ver as coisas como são mas como gostaríamos que fossem?
Tentamos mover-nos de maneira a conseguirmos o que queremos, apesar dos sentidos proibídos e dos sinais da falta de saídas, mas cabe a cada um escolher acreditar naquilo que quer. Quanto mais penso nisto mais me parece uma ilusão de óptica do ponto de vista pessimista do observador, ou então não. Depende de que lado observo a questão... o que me convém evitar de ver, e tudo aquilo de que não consigo afastar o olhar ou que procuro ver a todo o custo.
Mas ainda assim, ver ou não ver...? Qual destas hipóteses a mais fiel ao dono da escolha? E quantos entre nós escolhem...?
Para os que sentem que estão sempre do mesmo lado da rede, que não podem escolher, que têm que manter corpo e mente na questão para conseguir responder a quem escolhe o sentido da jogada, aconselha-se que abram bem os olhos e que respondam com a melhor mão... de preferência, com um revés...

domingo, 22 de abril de 2012

A meta (física) da inseparabilidade


Adoro estas duas figurinhas de feições toscas que constituem um muito pequeno detalhe emparelhado no espólio do escritor e artista Boris Vian há mais de sessenta anos - dois ímanes criados para alguém se distrair a aproximá-los aos poucos até que as forças dos seus campos magnéticos não resistam mais ao impulso da atracção da polaridade contrária de cada um para se colarem um ao outro com um beijo, um beijo inseparável pela vontade destes dois pequenos seres metálicos pintados de cores contrárias mas não completa nem perfeitamente complementares, duas cores atribuídas contra o senso de se atribuir o azul aos homens e o vermelho às mulheres, numa intenção de inversão da força dos sexos, ou da sua igualização, não sei. No entanto, o detalhe da posição das mãos de ambos - ela, de azul, com os braços ao longo do corpo, as mãos inertes junto de si como quem espera a resposta a um convite já entregue, e ele, de vermelho, as costas ligeiramente curvadas para a frente em posição de avanço tímido, as mãos arrumadas nos bolsos das calças para as impedir de revelarem mais intenção do que a que lhe fica bem, leva-me a acreditar na sugestão da equidade da atracção de ambos, das suas forças e dos seus medos, e do conhecimento partilhado por ambos de que a sua proximidade e (in)separabilidade deveria depender apenas deles. Olho para eles e vejo um brinquedo velho, sim, um objecto de uma modernidade também já ultrapassada, mas é um brinquedo descaradamente poético, inocente só mesmo de relance, uma representação física de uma explicação deliciosa e simples do romantismo do querer. A entrega única, impulsiva e incomparável de quem quer o que quer e não consegue escolher nem fazer mais nada pese embora todas as forças semelhantes e contrárias que o atraem, os porques sim e os porques não. 
Não nos quero comparar a estas duas simpáticas criaturas, corpos gémeos na vontade magnética guiada para uma quantidade e intensidade infinitas de beijos recatados e invejáveis, mas se toda a matéria existente é constituída por átomos, quarks e leptões, electrões que giram em todos os sentidos, eu acredito que a profundidade dos nossos sentimentos é mais profunda do que o fundo dos nossos corações. Acredito que nascem e residem num nível particular generalizado em toda a nossa extensão física, à flor das partículas, ou num nível sub-atómico, independente, tão nosso e tão desconhecido, gerador de tudo o que somos, dos nossos cinco e demais sentidos, de tudo quanto nem nós sabemos sobre nós próprios, e dos nossos pontos de irresistibilidade ao que desejamos... 

domingo, 15 de abril de 2012

Start/Stop



Um dos mistérios de todas as coisas preciosas imateriais, invisíveis e irrepetíveis que nos acontecem prende-se com o seu início, o seu fim, e o seu fim. Sucedem-nos porque algo prévio terminou e o espaço vago convida-as a acontecerem-nos. Isto remete me para a filosofia oriental traduzida para os ocidentais de mente com a simples analogia de deixar sempre um cabide livre no nosso armário para que peças novas tenham lá lugar à sua espera. Obviamente, não vale comprar um cabide extra e esperar que as coisas aconteçam... é necessário livrarmo-nos de algo que já lá esteja, que não nos faça realmente falta e nunca interromper o processo de renovação. 
De um fim faz-se um início, e é com um fim que iniciamos ou deixamos que  nos aconteçam todas as coisas especiais, esperando que o meio não tarde, que se prolongue se for bom, que evolua para muito bom, que o universo nos retorne toda a esperança da finalidade inicial, o fim com que tudo começou e assim possamos voltar ao princípio sempre que o desejarmos...
Mas não há Bem que sempre dure nem é à toa que recorrentemente ouvimos falar do princípio do fim. Esta última expressão tem demasiado que se lhe diga. Pessoalmente, não gosto dela. Prefiro sempre alienar me do seu fatalismo e pensar que se refere a uma premissa que justifica um objectivo, uma boa intenção que medeia o eventual acontecer de algo anseado, ou o despontar de uma vontade. Não o termo agendado de algo especial para quem sabe quando e que nos faz sofrer por antecipado por nada podermos fazer para o evitar, nem para apressá-lo para que passe rápido e possamos recomeçar. Um fim para um novo princípio... seria demasiado fácil se assim fosse. É que para além dos fins, usados os meios e longe dos princípios, ficamos muitas vezes em standby, com a mão no cabide...

domingo, 8 de abril de 2012

Placebo? Não, obrigado.


A preguiça emocional de alguns (demasiados) dota os de uma incrível capacidade de fingir sentimentos, emoções, e intenções na sua autenticidade e intensidade, e de conseguir conviver sem investir nem retribuir, sem se dar ao trabalho de reconhecer o valor e a valentia de quem se dá.
Consoante a arte e perícia de cada preguiçoso(a) sentimental, as suas promessas, carinhos e atenções - os placebos (em tudo fiéis aos sentimentos originais mas só pelo lado de fora... não confundir com genéricos...), actuam pelo seu poder de sugestão e iludem quem deles depende, e, tal como a subida da inflação económica de um país pobre (por sê-lo) o torna ainda mais pobre, também estes se tornam cada vez mais pobres e mais dependentes ao contentarem-se com menos do que merecem...
Infelizmente, ninguém traz um aviso escrito na testa, nem nenhum cartaz ou etiqueta pendurados em si que permitam alertar qualquer desprevenido e dar-lhe a oportuna e sã oportunidade de trocar de passeio a tempo de deixar passar essa inoportuna e insana oportunidade de viver o dia-a-dia alimentado com promessas, gestos, atitudes e palavras "placebo", o todo resumido a um tudo cheio de nada. Claro que para quem espera ainda mais do que verdade dessa reciprocidade falsa, vazia de "sentimentos-activos", benéficos e catalisadores de felicidade (excluindo obviamente os interesses dos preguiçosos sentimentais), todos os esforços de aproveitamento de cada dose e momento "placebo" valem a pena independentemente do desgaste a que obrigam... Mas sabemos que a grandeza da dependência é proporcional ao tamanho da decepção, e não há remédio que apague o acontecido, alivie, cure nem trate o mal feito...
Acho que deveria ter escolhido outro termo que não "preguiçosos sentimentais"... 

domingo, 1 de abril de 2012

As mais belas e tristes figuras



Não foi a falta do que fazer o motivo pelo qual o "engenhoso fidalgo D. Quixote de la Mancha" se entregou ao romantismo. Foi a beleza que o seduziu e fez dele seu prisioneiro. Torturou-o com delírios de bravura e heroísmo e com a fonte de uma ilusão maior - a miragem de um amor...
A atenção é própria das pessoas solitárias e isso talvez agrade à beleza. Para D. Quixote, essa senilidade ingénua foi a morte da sua imaginação, anulando o sentido do desprezo do ridículo, petrificando os cascos da fidelidade e apagando o reparo de uma Dulcineia, ao que parece até bastante feia, que não desejava ser salva dos carroceis do vento...
Mas a beleza e o amor são vítimas de uma própria condição: por nós existem, porque de nós subsistem, e sem nós perecem. Nasce depois a saudade, essa dúbia forma de sentir, que não é clemente. É um sentimento-semente, de provável perenidade, que em qualquer momento nos obriga a recordar qual foi o desejo, o que foi dele, e do quão estranhos somos por ser capazes de o regenerar e de voltar a desejá-lo num arrebate prudente que não nos surpreende... um aperto que se expande por dentro, que comprime, que expurga limites, e que, se nos esperar uma prognóstico favorável, um dia, apagar-se-á...
Cavaleiros e Amazonas de Tristes Figuras todos nós já fomos, ou somos, ou seremos (novamente). A única certeza é que somos andantes. Pa ´lante Sancho...